É difícil a um cronista menosprezar o que pensa e diz o cidadão comum ou o que anunciam os governantes, sejam os regionais que no Parlamento açoriano apresentaram as suas propostas de acção, sejam os da República que debatem o orçamento, cujas penalizações só em finais de Janeiro saberemos quanto nos afectarão.
Cá e lá os tempos não serão fáceis, pese embora as prerrogativas constitucionais desta Região Autónoma.
Em honra do pagamento da dívida, dos altos “interesses” dos credores e do memorando imposto pela troika, todas as leis da República parece poderem ser suspensas, afectando direitos, liberdades e garantias constitucionais.
É temendo que a Autonomia venha a ser fortemente afectada que o programa do Governo dos Açores prevê “organizar uma Convenção da Autonomia com projecção nacional, destinada a afirmar a relevância, os fundamentos, as acções, os resultados e o futuro da Autonomia dos Açores”, e ainda elaborar um “Programa da Cidadania e Autonomia vocacionado para a pedagogia e formação de cidadãos esclarecidos e activos, com atenção especial aos mais jovens, visando a preparação do futuro da Autonomia.”
É a velha luta entre David e Golias, ou entre o Estado soberano e a região ultraperiférica marítima pobre, com nove ilhas, uma população de 250 mil habitantes, todavia com uma posição geoestratégica e uma zona económica exclusiva invejáveis a pequenos países europeus.
Por isso, o pressentimento governativo frisa a necessidade da manutenção dos compromissos do Estado para com a Região, e a complementaridade entre os serviços nacional e regional de saúde, por exemplo. No entanto, quando o executivo de Vasco Cordeiro aborda a privatização da Empresa de Aeroportos – ANA, concessionária da gestão dos aeroportos continentais, madeirenses e de 4 aeroportos açorianos, o discurso não é suficientemente assertivo. O programa limita-se a sublinhar que “o Governo dos Açores deverá ser ouvido e participar no processo de privatização da ANA para defender os interesses açorianos, nomeadamente: a “necessidade de requalificação das infraestruturas e acautelar a regulação correta do negócio do operador privado para que os investimentos sejam efectuados e para que as taxas praticadas não tenham aumentos reais”.
Neste negócio de milhões devido à posição estratégica de Portugal e dos Açores nas rotas do Atlântico Norte, desconhece-se se os representantes autonómicos foram ouvidos, que reivindicações fizeram e como é que os privados irão assegurar o serviço público, tão importante para a mobilidade das populações insulares e para o desenvolvimento da actividade turística e comercial.
Passados tantos anos, importa não esquecer os avultados investimentos efectuados pela Região na década de 80, na ampliação do aeroporto de Ponta Delgada, sem os quais a ANA, SA não teria possibilidade de atingir os 200 milhões de euros de lucro, em 2011. É isto que torna aquela uma empresa apetecível ao grande capital externo, se bem que a sua venda seja fundamental para o cumprimento do défice de 5%, em 2012.
Nesta história da ANA, nunca foi suficientemente esclarecida a posição da Região face à concessão da exploração dos aeroportos açorianos, ao contrário do que aconteceu na Madeira, cuja empresa de aeroportos ANAM, SA, criada, em 1993, e detida em 70% pela ANA, 20% pela RA da Madeira e 10% pelo Estado, obteve a concessão da exploração aeroportuária até 2033, pela RA da Madeira.
Por outro lado, que terá levado a Região a criar, em 2005, a empresa SATA aeródromos, deixando de fora a ANA, para a gestão dos aeroportos do Pico, de São Jorge, Graciosa e Corvo? Terá sido para acautelar os interesses e investimentos açorianos, livrando-os de apetites privados?
Em sector tão vital para a mobilidade e crescimento económico, vamos ficar ao sabor de investidores externos, indiferentes à frágil economia das ilhas, porque preocupados mais com o lucro e o retorno do investimento.
O custo exorbitante e proibitivo dos espaçosos parques de estacionamento do aeroporto João Paulo II, (60 cent. P1 e 50 cent. P2, por 15 minutos) quando os gratuitos, um pequeno e o outro é autentico lamaçal, prova que aquele é território “privado” bem defendido pela Polícia.
Este é um mau prenúncio do que aí vem.
Se os governantes açorianos declinarem as suas competências democráticas, sucumbirão face ao Governo de Lisboa, e a interesses económicos que não se compadecem com o bem comum.
Há cerca de um ano afirmei que estava eminente o ataque à Autonomia. Ele aí está!
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